AS VIOLÊNCIAS DAS BESTAS



BAIXIO DAS BESTAS. Cláudio Assis, 2007. 80min. dolby digital. color.

O filme Baixio das Bestas (2007), de Cláudio Assis é um longa-metragem que aborda várias temáticas: exploração sexual infantil, violência sexual, vivências interioranas e na sua sutileza a exploração socioeconômica e a cultura local (Maracatu). Marcado por cenas violentas de sexo, ora entre Heitor (Fernando Teixeira) e sua neta, Auxiliadora (Mariah Teixeira), ora entre Cícero (Caio Blat), Everardo (Matheus Nachtergaele) e as meretrizes. Esses primeiros são jovens de classe média e têm se drogam e violentam por puro bel-prazer. Obra caracterizada pelo não-acontecimentos de fatos em temporalidade linear, onde os personagens dos diferentes núcleos pouco se convergem.

Claudio Assis iniciou seus em 1987 com o curta-metragem Henrique, dirigiu diversos curtas-metragens e documentários e só em 2002 dirigiu seu primeiro longa-metragem, Amarelo Manga, que teve boa recepção da crítica e ganhou diversos prêmios nacionais e internacionais. Em 2006, dirigiu seu segundo longa, Baixio das Bestas, lançado no Festival de Cinema de Brasília, em 2007, filme que ganhou diversos prêmios nacionais e internacionais. E em 2011, lança seu mais recente longa, Febre do Rato, que faz jus ao histórico de prêmios que os outros filmes ganhara. Assis é um cineasta de obras cinematográficas marcadas por conflitos acerca do corpo e violência, seus personagens caminham entre o sadismo e a delicadeza, entre a linguagem poética e os xingamentos, entre a carne e osso, como o próprio diz: “Meus personagens são de carne e osso”.

Baixio faz uma desconstrução da tipificação atribuída ao nordeste, sobretudo ao sertão, ou melhor as cidades pequenas, que lá há as tradições, a pureza, os bons costumes, a tranquilidade e, consequentemente, a não-violência. E violência é o que de mais há na obra, ao início do longa já se fica claro a exploração sexual infantil, trazendo uma revolta, e cada vez que a cena revela mais homens mais revolta se revela, ao chegar a Cícero, percebe-se uma mescla de repúdio e desejo, primeiro por vê que o próprio avô explora a neta, segundo nota-se um desejo em seu olhar e sua permanência em vê-la, sem interceder. Certas violências presentes no filme ficam tão expostas que se não atentarmos às cenas no canavial pode-se perder ou não perceber uma violência ali exposta, a exploração sócio econômica, seja dia ou noite (queimadas) com trabalhadores de sol a sol e de lua a lua. 

Em meio ao ambiente monótono e aparentemente sem ações, há diversas ações e ações escabrosas e repugnantes. Cícero e Everardo são também carros-chefes dessas violências, às prostitutas são tratadas como marionetes do prazer das “bestialidades” dos playboys locais. Everardo abre-alas de suas ações ao violentar sexualmente uma prostituta e pisar diversas vezes em sua cabeça por ela tentar se defender do ataque monstruoso. Everardo se mostra o mais seco e violento dos playboys, pouco se importa ou se preocupa com os que ele age sobre e suas consequências, exemplo claro é quando ele e Cícero atropelam um rapaz na estrada, Cícero demonstra fragilidade, sentido que não pode fazer tudo o quer a hora que quer, já Everardo se mantem intacto, sádico e poético ao mesmo tempo. Metaforicamente a cena mais forte não é a explicita, ela se passa num lugar mágico e de riquezas, o cinema, e lá se passa a cena da total catarse, a revolta de ranger os dentes, onde Bela (Dira Paes) é imobilizada e estuprada pelas feras.

Auxiliadora se mantém virgem, apesar dos abusos do avô, que talvez seja também seu pai. Ela é uma personagem “sem falas”, sua fala são os sussurros, os espasmos, suas expressões, enfim, como a música cantada na primeira cena em que ela entra no veículo: “O que é que tu quer de mim? Que voz é essa? Que silêncio é este? Porque tu não falas o que estas pensando? ”. Apenas se manifesta com afago para com Maninho (Irandhir Santos), caso único, e mesmo assim é podada pelo seu avô. 

Sua contínua vida árdua de violência segue, a cada abuso do seu corpo, da sua alma, da sua inocência e da sua fala, o baixio fica mais baixo e a leva para baixo, sua situação pode ser comparada ao da monocultura da cana de açúcar: seu corpo primeiramente é queimado, assim não podendo se plantar ali outra coisa a não ser o que já se tem, depois é cortada e por fim vira bagaço, sua alma. O avô, por sua vez, ocupa a cabeça de sua neta, afinal, o próprio fala: “Ocupar a cabeça dessa menina se não o diabo toma de conta”. E de fato tomou.

Comentários

  1. A sua resenha é muito boa, ela condiz com os aspectos encontrados no filme.
    Como eu havia dito, particularmente não gosto do filme, mas reconheço que ele traz muito discussão como você aborda.
    Deveria mostrar mais a sua escrita, que a cada dia se torna melhor e melhor.
    Continue...
    Um abraço!

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    1. Obrigado, Elizana! Vou tentar postar mais textos ao longo do semestre. Abraços!

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